domingo, 23 de março de 2008

3ª aula (2/4)

Sumário: Criar «factos políticos» (as manobras de diversão e os pseudo-acontecimentos como elementos das estratégias de comunicação)

1) Partindo do pressuposto de que toda (ou quase toda) a informação que chega aos jornalistas é fabricada, construída, manipulada (nem que seja porque apenas uma parte é fornecida/comunicada), visando determinados objectivos (a estratégia de comunicação previamente definida), é importante ver que formas há de manipular essa informação (é a matéria deste semestre).

[NEM SEMPRE MANIPULAR É O MESMO QUE ENGANAR; ou seja, não é só por si um sinónimo de desonestidade (manipular no sentido de alterar a realidade ao gosto do protagonista para assim a apresentar ao jornalista); outras vezes é…]

2) A afirmação dos protagonistas na comunicação social faz-se através da elaboração de estratégias de comunicação, que devem ter sempre em conta a necessidade de ocupar o espaço mediático, que é finito e disputado por muitos (ou seja, com mais ou menos frequência alguém terá de ficar de fora) - aquilo que poderia ser designado por teoria da ocupação do espaço; o press release é muitas vezes apenas a face visível (ou uma das faces visíveis) dessa estratégia

3) NO FUNDO, há duas questões que se podem pôr:
-O que fazer para conseguir que aquele espaço que está destinado ao assunto que me interessa seja preenchido por mim e não por outros? Nas fases c) e d) da EC (aula anterior);
- O que fazer para que aquele espaço que está destinado ao assunto que NÃO me interessa seja ocupado de outra forma?

A respostas passam por:
- encontrar valor mediático para as iniciativas, mas por vezes isso não basta (porque não há, porque há pouco comparativamenteou porque os jornalistas não se interessam); (é também preciso prender a atenção dos jornalistas àquilo que estamos a fazer (sendo criativos na forma como comunicamos a estratégia/a mensagem); surge então aquilo que vulgarmente é designado por ‘factos políticos’:

Quando esse valor mediático é pequeno e é necessário artificializá-lo, dando-lhe uma força que de outra forma não teria (uma espécie de dramatização factual e formatada para a linguagem jornalistica), estamos perante pseudo-eventos (ou pseudo-acontecimentos);

Quando o que é conveniente é desviar as atenções do que aconteceu ou do que está para acontecer, estamos perante ‘manobras de bastidores’; nestes casos, a estratégia passa por desviar a atenção dos jornalistas, criando factos que são apenas “cortinas de fumo” e que obrigam a comunicação social a olhar para outros lados, porventura desviando-se do essencial (popularmente conhecidos como «factos políticos»): sabe-se por exemplo que os jornais de sábado são usados para difundir notícias negativas (passam mais despercebidas e há menos atenção à actualidade…). «A notícia deve ser divulgada à comunicação social possivelmente no fim da noite, de sexta para sábado, de modo a dar o menos tempo possível para elaborar a notícia, fazendo-a, por conseguinte, chegar quando também os espaços de redacção já foram atribuídos» («A retirada do produto» in Lampreia (2002). Gestão de Crise. Lisboa: Hugin Editores, pág. 98). Ou «It is an old political tradition to dump unpopular news on Friday, because fewer people are reading newspapers or watching television news over the weekend»

4) O essencial é ocupar o espaço (neste caso ocupar os jornalistas), nem que seja com outras coisas, porque assim já não se ocupam com outras coisas… (um jornalista é um ser humano – finito e limitado…)
Uma citação:«Manter a atenção do público distraída, longe dos verdadeiros problemas sociais, cativada por assuntos sem importância real. Manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar, voltado para a manjedoura com os outros animais» (extraído de “Armas silenciosas para guerras tranquilas” )», a partir deste texto, onde se podem encontrar várias informações sobre esta questão (numa perspectiva radical) ; versão original
Um caso: no dia 11 de Setembro de 2001 uma assessora do governo britânico enviou aos seus colegas um e-mail dizendo que aquele era um bom dia para difundir más notícias na comunicação social; passariam despercibidas entre os relatos dos atentados (foi despedida);Ligação externa: http://www.telegraph.co.uk/news/main.jhtml?xml=/news/2001/10/10/nmoor10.xml
(VOLTAREMOS A ESTE ASSUNTO MAIS ADIANTE)

5) Sobre os pseudo-acontecimentos (ou pseudo-eventos): o conceito foi inventado por Daniel Boorstin (a partir do ensaio “The Image”, de 1961).Algumas características a partir de uma citação de Estrela Serrano (As presidências abertas de Mário Soares, Minerva, Coimbra, 2002, pág. 23)«Sem a ajuda dos jornalistas os políticos não poderiam criar os eventos que lhes trazem poder e notoriedade. Os jornalistas são, nesta matéria, aliados dos políticos. Uma grande percentagem das notícias publicadas na imprensa, rádio e televisão inclui informação baseada em “pseudo-acontecimentos” que Boorstin (1961) define como possuindo as seguintes características: não são espontâneos; surgem porque foram planeados; são criados para serem cobertos pelos media; o seu sucesso mede-se pela amplitude da sua cobertura; a sua relação com a realidade subjacente à situação é ambígua e, geralmente, funcionam como uma auto promoção. Os próprios jornalistas consideram que os media noticiosos concedem demasiada atenção a eventos, com prejuízo da investigação própria». Os pseudo-eventos fazem, portanto, parte das estratégias de comunicação (quando são pensadas, e em função da avaliação das necessidades/dificuldades previsíveis na transmissão da mensagem, pode fazer sentido criar um pseudo-evento, para reforçar a probabilidade de que os jornalistas noticiem)

6) Os pseudo-acontecimentos são, muitas vezes, uma espécie de falsa realidade, construída por quem tem algum interesse nisso com o objectivo de tornar “obrigatória” a publicação por parte dos jornalistas! As conferências de imprensa agora são às oito da noite...

Outra citação:«Qualquer instituição, um governo, um partido, mesmo uma pessoa individual, pode preparar um evento com o objectivo de lhe dar existência através da imprensa, da rádio ou da televisão, assim como também estes meios promovem factos noticiosos em benefício da sua própria imagem (embora servindo também o interesse público). Este tipo de acontecimentos foi identificado no início dos anos 60 pelo ensaista e historiador norte-americano, recentemente falecido, Daniel Boorstin, que os designou de ‘pseudo-acontecimentos’. No seu livro ‘A Imagem’, Boorstin atribui algumas características fundamentais ao ‘pseudo-acontecimento’, designadamente o facto de não ser espontâneo e de ser criado com o objectivo de garantir a sua própria difusão. Sondagens de opinião, debates, conferências de imprensa constituem exemplos desta categoria de factos, segundo o criador do conceito. O que significa que muitas das notícias e informações que diariamente circulam são, ou resultam de, ‘falsos’ acontecimentos.»Joaquim Furtado, Público 12/9/06 http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=294voz006

7) Um exemplo de pseudo-evento – a fuga de informação:«A “fuga” tornou-se uma instituição, sendo um dos processos mais usados na transmissão de informações por parte das fontes oficiais. Boorstin define a “fuga” como um meio, através do qual uma fonte oficial com um propósito bem definido, fornece uma informação, faz uma pergunta ou uma sugestão. Mais que um anúncio direto, a “fuga” presta-se muito melhor a esconder determinados objetivosA “fuga” é o pseudo-evento por excelência. Na sua origem e crescimento, a “fuga” ilustra outro dos axiomas do mundo dos pseudo-eventos: um pseudo-evento produz novos pseudo-eventos. A “fuga” começou como uma prática ocasional de uma fonte oficial transmitir informação confidencial a alguns jornalistas. Hoje, tornou-se uma maneira institucional de transmitir informação. A sua ambigüidade e o ambiente de confidência e intriga em que se processa criam um clima de confiança entre jornalistas e fontes. As regras respeitantes ao “off record” e à atribuição das fontes são especialmente importantes no caso das “fugas” de informação». Estrela Serrano, «Jornalismo e elites de poder», ciberlegenda, nº 12, 2003; Leitura complementar: http://teocomuni.blogspot.com/

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